1ª Semana da Quaresma - Quarta-feira
Professar a Fé vencendo tentações |
Excerto da Catequese Quaresmal do Bispo da Guarda, realizada a 25/02/2007 |
1. Estamos a iniciar a Quaresma e hoje subimos o primeiro degrau nesta nossa caminhada para a Páscoa. Caminhada que nós desejamos seja para progredir na formação da nossa Fé, seja para viver a conversão e a Penitência, seja principalmente para recentrar a nossa vida em Cristo morto e ressuscitado.
Neste esforço por renovar a Fé em caminhada quaresmal, sabemos que não estamos sozinhos e por sua vez a nossa verdadeira conversão a Jesus Cristo e ao Seu Evangelho tem que dar frutos de partilha fraterna que também há-de ser renúncia em favor dos outros, principalmente os mais necessitados.
(...) A nossa Fé enraíza numa relação pessoal forte de cada um de nós com Deus revelado em Jesus Cristo. Jesus Cristo que nós queremos confessar na sua condição divina do Senhor; Jesus Cristo que ressuscitou dos mortos como primícias da ressurreição universal e da total transformação do mundo em Reino de Deus. Esta relação forte com Jesus Cristo na Fé conduz à salvação eterna, como diz S. Paulo, mas também e primeiro que tudo produz na nossa vida quotidiana abundantes frutos de Justiça. Isto significa que um dos critérios para avaliar a autenticidade da nossa Fé em Deus Pai e em Jesus Cristo Seu Filho, na força do Espírito, são os frutos de Justiça e caridade que existem ou não existem no nosso viver de cada dia. É esta também uma avaliação que queremos fazer de nós mesmos ao longo da Quaresma. De uma coisa estamos certos, sintonizando com o apóstolo S. Paulo: Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo, o que significa que a Salvação de Deus em Nosso Senhor Jesus Cristo é para todos, não havendo, por isso lugar, para qualquer acepção de pessoas na intenção e na prática do mesmo Deus. Hoje para nós não está a ser fácil viver a Fé como para Jesus também não foi fácil cumprir a Sua Missão; Missão que o próprio Pai lhe confiou.
De facto vivemos hoje numa cultura cujas raízes são profundamente cristãs e impregnadas de muitas tradições religiosas seculares e mesmo milenares, mas que estão a ser muito abaladas. E abaladas pela introdução de novos hábitos, de novos critérios de comportamento que muitas vezes não dignificam ou mesmo não respeitam as pessoas na sua autêntica verdade. Fazer a profissão de Fé nas circunstâncias actuais implica necessariamente dar nova vida a um mundo descristianizado, afastado da prática cristã, no qual, muitas vezes, as únicas referências cristãs são de ordem cultural, sejam as procissões dos passos ou da Semana Santa, seja o amentar das almas, sejam as via-sacras públicas, sejam as festas populares dos Santos ou outras. (...) A Quaresma (...) é tempo especialmente propício para nos perguntarmos como cristãos e como comunidades cristãs sobre as formas de tornar a mensagem cristã acessível às novas culturas, isto é aos novos modelos actuais da inteligência e da sensibilidade. A Quaresma é tempo de exame de consciência, para nos perguntarmos sobre as novas formas de fazer compreender Cristo e a Sua Mensagem ao espírito moderno, que se apresenta grandemente orgulhoso com as suas extraordinárias descobertas e realizações, mas também com sinais de profundas humilhações por não conseguir resolver os problemas fundamentais das pessoas e assim lhes não poder transmitir razões que consigam fortalecer a esperança no futuro da família humana. Ao procurarmos viver e aprofundar a nossa fé no contexto cultural da actualidade cheio de muitas contradições como todos os dias constatamos, queremos, antes de mais, assumir com coragem as nossas responsabilidades de cidadãos e de cristãos. E entre essas responsabilidades nós vemos o necessário contributo da Fé em Jesus Cristo morto e ressuscitado para restituir a cada ser humano a sua dignidade de criatura "à imagem e semelhança de Deus", subtraindo-o, quanto possível, à tentação antropocêntrica de se considerar independente do criador. É esta sem dúvida a grande tentação do mundo actual secularizado que continua a pretender levar a sua autonomia até ao limite desumanizante de negar o próprio Deus. Este é o grande drama do nosso tempo e a verdadeira raiz da crise das culturas na actualidade. A nossa profissão de Fé no meio de um mundo assim é também dizer às pessoas onde está a raiz do seu valor e da sua dignidade – está em serem imagem e semelhança de Deus; e que as culturas serão tanto mais humanas e humanizantes quanto mais conseguirem traduzir esta dimensão transcendente dos seres humanos. A nossa Profissão de Fé, num mundo assim, envolve também a coragem de intervir socialmente e na opinião pública para denunciar e tentar corrigir formas de cultura que agridem sentimentos e dimensões da pessoa humana que são fundamentais. Temos que saber dizer às pessoas que elas não foram criadas à imagem da cultura ou das culturas do seu tempo, portanto não podem ser prisioneiras de modelos de comportamento humano e social que lhes estão a ser impostos por essas culturas e frequentemente em contradição com as suas aspirações mais profundas.(...) Ao pretendermos professar a nossa Fé no palco da vida social da actualidade para serviço ao mundo e às pessoas que o habitam, temos de evitar ceder também nós a qualquer das seguintes duas tentações. Uma delas é adaptarmos o nosso comportamento aos modelos sociais e à mentalidade dominantes só para sermos modernos, actualizados, prejudicando, assim a fidelidade aos valores da Fé e a valores humanos fundamentais. A outra é pretendermos continuar agarrados às linguagens do passado sobre a Fé, querendo ignorar que a história avança e que as realidades humanas actuais que a nossa Fé tem de saber iluminar de forma significativa são diferentes das do passado. Só a catequese integrada na formação permanente da Fé nos pode ajudar a superar com êxito estas duas tentações, como Cristo também soube vencer as tentações no deserto.
Guarda, 25 de Fevereiro de 2007, +Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda http://www.agencia.ecclesia.pt/noticia.asp?noticiaid=43295 |