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Blogue da Paróquia do Santíssimo Sacramento

Blogue da Paróquia do Santíssimo Sacramento

Objectos para celebrar: círios/velas e paramentos

30.09.07 | ssacramento
Conforme já referimos num artigo anterior, os objectos têm a sua importância na liturgia. Para hoje escolhemos reflectir sobre os círios/velas e sobre os paramentos.

Círios e velas

Antes de existir a energia eléctrica, os círios e as velas faziam o papel das actuais lâmpadas. No entanto, ainda hoje os cristãos continuam a acender velas nas igrejas. Porquê? É que uma vela acesa não se destina apenas a iluminar; é também um símbolo.

Em todas as igrejas há um círio grande, o círio pascal, visível por todos, que foi aceso na noite de Páscoa, no meio da escuridão que envolvia o local. Ele é o símbolo de Cristo, luz do mundo. Nessa noite, os presentes acenderam também as velas que tinham recebido, significando que os cristãos, graças a Cristo, tornam-se a luz do mundo. O mesmo gesto faz o pai quando o seu filho é baptizado: acende a sua vela no círio pascal.

Assim, as velas e círios acesos recordam-nos a luz que vem de Cristo, sendo um sinal de amor. Se queremos ser luz, temos de dar algo de nós, tal como a vela que queima a sua cera para espalhar luz à sua volta.

Os paramentos

Durante a celebração litúrgica da Eucaristia, o celebrante usa um trajo especial, diferente da roupa dos cristãos que constituem a assembleia, pois está a actuar em nome de Cristo e a certa altura irá dizer palavras que não são da sua autoria, fazer gestos que recebeu do próprio Jesus. O seu trajo recorda que, para cumprir a sua missão, recebeu um sacramento específico, o sacramento da Ordem.

Usa uma túnica branca (a alva), que lhe chega aos pés e cobre completamente os braços, só deixando livres as mãos. Por cima, a casula, uma veste mais curta, apresenta uma cor que varia conforme os tempos do ano litúrgico (branco no tempo pascal, de Natal e nas grandes festas; vermelho na sexta-feira santa, Pentecostes, festas dos mártires e missas de Confirmação; roxo no Advento, Quaresma, dias de penitência e missas de defuntos; verde no resto do ano litúrgico, chamado Tempo Comum).

Quem serve o altar tem também um trajo especial, para recordar a importância do que faz e que também lembra, de certa forma, a veste baptismal: se é diácono, uma alva; os acólitos usam, geralmente, uma túnica.


(Adaptado de LAURITA, Roberto - Palavras, lugares e gestos da fé. Prior Velho: Paulinas, 2003)

"E o rosto?"

29.09.07 | ssacramento

"Foi numa destas manhãs. Barbeava-me frente ao espelho. A lâmina avançava pelo branco da espuma.
Já repararam que nunca ninguém viu directamente o seu próprio rosto? Em boa verdade, só é possível conhecê-lo através de um espelho ou de uma miragem. Portanto, o rosto não é para nós próprios, é para os outros, é para Deus. O rosto é a linguagem silenciosa. É a parte mais viva e sensível que, queiramos ou não, apresentamos aos outros. É o nosso eu íntimo parcialmente despido, infinitamente mais revelador que todo o resto do corpo. O fundo dos olhos traz-nos a alma à flor do rosto. É nele que se oferece a vida íntima do coração.
Mas é apenas na atmosfera do amor que um rosto humano pode conservar-se tal como Deus o criou. Se não estiver rodeado de amor, o rosto endurece e a pessoa que o observa tem então à sua frente, em vez do verdadeiro rosto, apenas a sua matéria, o que não tem vida, e tudo o que ela enunciar sobre esse rosto será falso.
Para compreender um rosto é preciso vagar, paciência, respeito e, sobretudo, amor. (...)
O rosto é um símbolo daquilo que há de divino no homem, um divino apagado ou manifestado, perdido ou reencontrado.
Diria, hoje, como Saramago: 'Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara'."


(MANUEL, Henrique - Mas há sinais.... Prior Velho: Paulinas, 2004)

Quem são os gentios?

28.09.07 | ssacramento
Segundo a Bíblia, para os hebreus, quando chegaram a Canaã, gentios eram os que seguiam o deus Baal e os outros baals menores, protectores das forças da natureza.
Para São Lucas, os gentios são os excluídos da comunidade judaica, mas não da misericórdia de Deus.
Gentio era o etíope eunuco a quem Filipe anunciou Jesus, pois, "na verdade, Deus não faz acepção de pessoas", esclarece São Pedro a propósito da conversão do gentio Cornélio (Act 10,34). Gentios eram ainda, a partir de certa altura, os primeiros destinatários da pregação de São Paulo, por isso, também chamado o "Apóstolo dos Gentios". Porque "Deus quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade" (1 Tm 2,2).
Durante muito tempo, a palavra gentio era impropriamente traduzida por infiel (contrário à fé) e por pagão (de pagani, dos campos, e não da cidade), equivalendo a ignorante, atrasado, religiosamente seguidor do culto dos mitos da natureza.
As grandes missões da Igreja entre os séculos XV e XIX destinavam-se a penetrar nestes ambientes gentílicos ou pagãos para lhes levar, ao mesmo tempo, a fé e o império, a palavra de Deus e a cultura. De facto, no mesmo baú, seguiam a Bíblia e a espada, a cruz e os canhões.
E actualmente, quem são os "gentios" que é necessário evangelizar? "Gentio" tanto é o autóctone da Polinésia, de religião animista, como a maior parte dos cristãos de Portugal e tanto se faz missão levando o Evangelho aos índios da Amazónia selvagem, como catequizando a ex-cristianíssima Europa. Quer dizer, o anúncio do Evangelho é tão necessário para os que nunca o conheceram como para aqueles que já o perderam. Os "gentios" tanto estão lá longe, onde o padre só chega uma vez por mês, como naquela igreja de Lisboa que tem várias missas todos os dias.
Nos templos cristãos nunca houve um pátio dos gentios, como nos templos judaicos, a limitar o acesso ao interior do santuário. Na Igreja, o limite de entrada é marcado pela fé em Cristo e a adesão formal ou implícita ao reino de Deus.

(artigo de Manuel Rito Dias - Dili -, na Revista Bíblica, nº 311)

Sentido da montanha na Bíblia

27.09.07 | ssacramento
Vivendo num país cheio de montanhas, montes e colinas, o povo da Bíblia utilizou o simbolismo da montanha como lugar especial de manifestação da glória de Deus ao Seu povo. Assim, ao longo das páginas da Bíblia, abundam as montanhas sagradas, como que marcando as grandes etapas da história e da fé do Povo de Deus: é à montanha que o patriarca Abraão sobe para o sacrifício de Isaac (Gn 22,1-19); Moisés encontra-se com Deus, pela primeira vez, no lugar sagrado da montanha do Horeb (Ex 3,5); depois da saída do Egipto, o povo de Israel encontrou-se com Deus na montanha do Sinai (Ex 19,3); na montanha com os amalecitas, Moisés ora no alto do monte (Ex 17,19); Elias ora no alto do monte Carmelo (1Rs 18,42),...

A montanha era também o símbolo da estabilidade e eternidade de Deus, em contraposição com as águas movediças dos rios e dos mares. Deus é o único capaz de mudar as montanhas do seu lugar. É por isso que a montanha entra plenamente na linguagem apocalíptica: quando as montanhas cairem e se precipitarem no fundo do mar, chegou o fim deste mundo, para renascer um mundo novo (Is 40,4; Bar 5,7; Sl 11,4; Am 9,13).

Quebrando a teia do silêncio

26.09.07 | ssacramento
No Quénia, onde são produzidas grande parte das flores que estão à venda na Europa, o crime sexual tornou-se uma praga. A revista Além-Mar, nº 560, fala-nos dos esforços de uma mulher que procurou quebrar a cultura do silêncio sobre este problema.

"Uma mulher iniciou uma campanha para educar os quenianos sobre a necessidade de denunciar ofensas sexuais. (...) Naivasha, uma pequena cidade nas margens do lago do mesmo nome, 100 quilómetros a noroeste de Nairobi, no Quénia, ganhou notoriedade no passado recente devido à escalada de casos de violação, de atentados ao pudor e de incesto. Mal passa uma semana sem que ocorra um incidente.

Mas os esforços de uma só mulher estão agora a render dividendos. Rahab Wairuri é a directora do Grupo de Apoio aos Desfavorecidos de Naivasha (NADISGO, na sigla inglesa), que foi criado em 2003. O grupo tem estado envolvido no apoio às vítimas e na sensibilização dos habitantes para a importância de denunciar as ofensas sexuais. (...) Em 2001 (...) perceberam que mulheres e crianças sofriam em silêncio: «As mães não sabiam o que fazer depois de encontrarem os maridos a desflorar as suas filhas.» As mulheres, acrescenta, tinham receio de denunciar os seus maridos e tentavam conservar os casamentos. Outras achavam a situação demasiado vergonhosa: ao denunciarem os maridos, tornar-se-iam assunto de todas as conversas. Algumas vítimas temiam também denunciar os criminosos, porque sabiam que estes acabariam por ser libertados. «Por ignorância, quando alguém era detido, levado a tribunal e lhe era concedida caução, era absolvido da acusação. E as vítimas mantinham-se em silêncio para não serem atacadas outra vez pelo mesmo indivíduo.» (...) Em 2004, o NADISGO mudou de estratégia e começou a informar as mulheres sobre questões como a violação ou o atentado ao pudor. Wairuri e as suas colegas começaram a divulgar numa escola o que a lei diz acerca de ofensas sexuais e as respectivas penas, a alertar para a importância de denunciar esses casos. Foram também a barazas (reuniões comunitárias, na língua suaíli) organizadas por chefes, e logo as pessoas começaram a aparecer. As pessoas também não sabiam como era importante procurar ajuda nas 72 horas após a violação. «Se uma vítima é violada ou molestada, pode iniciar o tratamento que ajudará a impedir que contraia o HIV/SIDA. Mas essa janela de esperança fecha-se no espaço de três dias», explica.

De igual modo, as pessoas desconheciam o procedimento a seguir para denunciar os autores dos abusos. O ministro da Educação deu uma ajuda, permitindo aos membros do Grupo de Apoio falar com os alunos sobre os crimes sexuais e o que fazer se fossem vítimas de abusos. As pessoas aprenderam a ultrapassar o silêncio e começaram logo a procurar a ajuda da polícia. O NADISGO também se dedicou à tarefa de ajudar as vítimas a denunciar os abusos à polícia e a levá-las ao hospital para exames e tratamentos. «Também seguimos os casos quando são levados a tribunal, e por vezes ajudamos as vítimas a irem a tribunal, pois a maioria desconhece os procedimentos legais», diz.

Wairuri diz que, só no ano passado, 180 atentados ao pudor, 90 violações e 16 casos de sodomia foram denunciados nos escritórios da NADISGO. Está contente por ter ajudado a quebrar a política do silêncio. As pessoas estão agora informadas e, em algumas áreas, as comunidades já estão a ajudar as vítimas a procurar apoio. (...)

 Mas esta luta não tem estado isenta de oposição. Wairuri recorda um incidente que ocorreu no ano passado, quando um político local e representantes provinciais da administração se aproximaram do grupo e lhe pediram para terem cuidado nas suas campanhas, porque estavam a afugentar os investidores. Naivasha é o principal centro de floricultura no Quénia e o político não estava contente com a publicidade negativa que a cidade começava a ter.  (...)

Wairuri acredita que esta guerra pode ser ganha no Quénia se a cultura do silêncio for vencida. «Se as pessoas deixarem de ficar caladas quando são violadas ou vítimas de qualquer outra forma de abuso sexual, podemos ganhar», assegura.

Wairuri é uma mulher rechonchuda com um sorriso fácil, o oposto do estereótipo da feminista furiosa. Acredita na bondade natural dos seres humanos, e que tais crimes são alimentados pelas condições de vida inumanas das pessoas que trabalham nas estufas de floricultura. «Esta é uma caminhada de mil milhas e tem de começar com um passo. Com a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e com uma maior consciência tanto da sua dignidade como da dos seus filhos. Num futuro próximo, o crime sexual desaparecerá por completo e as mulheres e as raparigas viverão sem medo.»



(http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EElpVFkuVAHfCGpSPu)

Agricultores do sorriso

25.09.07 | ssacramento
"O Nome da Rosa, de Umberto Eco. Os que leram o romance ou viram o filme que o adaptou, guardam o velho de olhos brancos, personagem sinistra que, no fim, se descobre ser o assassino. A razão dos assassinatos era o riso. Rir era pecado!
Como o conceito de pecado parece hoje fora de moda, dir-se-ia que o riso é, no mínimo, perigoso.
Vivemos tão preocupados com hipotéticas desgraças que as sofremos a dobrar. Não rimos. Mesmo em dias de sol, carregados de angústias existenciais, muitos teimam em ver apenas sombra.
Caminhamos na rua sisudos, solenes, tensos, como se tivéssemos engolido uma espada ou como se a vida nos tivesse causado indigestão. (...)
Se fossemos agricultores do sorriso, homens livres de superstições primárias, de desgraças adivinhadas, talvez trouxessemos dentro um sol aceso e tivéssemos mais amigos à nossa volta. Mas não. Angustiados com medo da desgraça, precavidos com seguros e outros cuidados, esquecemo-nos de rir a vida. E, que conste, só temos esta, longa ou curta.
Penso que grande parte da responsabilidade da minha tristeza tenho-a eu. Mal dou uma gargalhada apodera-se de mim um tal medo de desgraça que me surpreendo em diálogo de botões: 'Estou tão feliz, que está para me acontecer alguma...'. Ridículo, não é?"

(MANUEL, Henrique - Mas há sinais.... Prior Velho: Paulinas, 2004)

Simbologia da Montanha

24.09.07 | ssacramento
Diferentemente do homem de hoje, que vê a montanha como um espaço de paisagens maravilhosas e ar puro, o homem antigo via na montanha muito mais do que isso. Para ele, a montanha era o lugar de Deus por excelência e inseria-a no simbolismo do alto-baixo. O alto é positivo, bom, mais importante, superior, centrando-se na ideia de importância social das pessoas, marcada pela imagem do trono real. O rei, sendo a pessoa mais importante e mais elevada socialmente, ocupa também um lugar mais alto, quando se senta entre os seus generais ou ministros. Se o rei, sendo um simples homem, ocupa um lugar elevado em relação aos seus príncipes, quanto mais elevado não deverá ser o lugar de Deus em relação aos homens? Por isso, o monte ou montanha, como lugares mais altos da natureza, foram sempre vistos, em todas as culturas, como uma espécie de trono real de Deus ou lugar de habitação de deuses. A montanha, de algum modo, toca no céu, lugar convencional de Deus por excelência, sendo o espaço visível do Deus invisível.

À montanha são frequentemente associados outros símbolos, sobretudo a nuvem e o fogo. É na montanha que as nuvens tocam o céu, se desencadeiam tempestades e cai o fogo do céu, os relâmpagos. Por isso se sacralizou a montanha, tornando-a lugar de habitação de deuses, como o monte Fugi (Japão), Machu-Pichu (Peru), Olimpo (Grécia clássica). Os povos pagãos vizinhos do povo bíblico, exerciam nos lugares altos cultos idolátricos e orgias sagradas, que foram energicamente condenados pelos profetas (Is 65,7; Jer 2,20; Os 4,13).

A montanha tornou-se não só uma espécie de santuário de Deus, mas foi no lugar mais alto da montanha que se edificaram santuários a todas as divindades e, com o cristianismo, também a Maria e aos santos. Basta pensarmos em santuários portugueses como o Sameiro ou Fátima. A montanha foi, e ainda é hoje, um lugar de peregrinação religiosa ou simplesmente turística. Escalando a montanha em peregrinação, o homem aproxima-se fisicamente de Deus, mas também, pela penitência da escalada, se aproxima d'Ele espiritualmente. Descendo da montanha, sente-se transformado e disposto a viver em regra com o Deus que encontrou na montanha.

(artigo de Herculano Alves, Revista Bíblica, nº 227)

Rezar com o corpo

23.09.07 | ssacramento
O homem não reza só com o pensamento ou com as palavras. Todo o seu corpo está envolvido, quando se dirige a Deus e reza com os seus irmãos. A acção litúrgica é acção da pessoa inteira, incluindo a sua corporalidade. Por mais belos que sejam a palavra e os cânticos não conseguem, por si sós, assegurar a participação do corpo na oração. É necessário que ele participe através de gestos e movimentos, simples, espontâneos, elementares.
O gesto humano é um meio de comunicação e de comunhão com os seus semelhantes. A oração assume uma dimensão social e para rezar com os outros, a participação do corpo é indispensável.

De pé

A posição vertical é típica do homem. Muitas pinturas das catacumbas e mosaicos antigos mostram o homem a rezar de pé, com a cabeça erguida e os olhos virados para o céu, com as mãos estendidas em forma de cruz.
Quando um convidado aparece à porta de uma sala, para o cumprimentar, as pessoas levantam-se em sinal de respeito. A oração de pé também é um sinal de respeito. Sabendo que Deus está presente no meio de nós, levantamo-nos para o saudar e dirigir-lhe a palavra.
Rezar de pé é também sinal de fé do cristão na ressurreição de Cristo. De facto, para manifestar a sua fé na ressurreição de Jesus, os primeiros cristãos não rezavam de joelhos ao domingo, nem durante o tempo pascal. Daí que só de pé se recitem o Glória ou o Credo. É a forma de manifestar a nossa fé e alegria. Mas também nos levantamos para ouvir o Evangelho, porque a palavra de Jesus merece toda a nossa atenção e respeito.

A cabeça inclinada

O gesto de inclinar a cabeça fica a meio caminho entre o estar de pé e estar de joelhos. Presente na liturgia antiga, continua a ser muito usado pelos cristãos do Oriente. No Ocidente substitui, por vezes, a genuflexão e conserva-se, sobretudo, nas comunidades monásticas.
A inclinação de cabeça pode ser breve, como quando se cumprimenta alguém, ou prolongada, numa prece silenciosa ou numa benção.
Na liturgia eucarística, o sacerdote inclina a cabeça por várias vezes. Os fiéis são convidados a fazê-lo durante a benção solene no final da missa.


(LAURITA, Roberto - Palavras, lugares e gestos da fé. Prior Velho: Paulinas, 2003)

"A papaia de Senan"

22.09.07 | ssacramento
Da Revista Além-Mar, nº 559, escolhemos este artigo sobre a partilha e o sentido comunitário da vida.

"Numa aldeia situada nas margens do lago Nokoué, no Sul do Benim, vivia uma menina de nome Senan (que quer dizer «o Senhor deu»). Vivia com a mãe, o pai e um irmão. A sua família, como as outras da aldeia, vivia da pesca. A pequena Senan comportava-se como as crianças da sua idade e fazia a sua parte para ajudar a mãe nas tarefas da casa. Era uma menina pequena, mas corajosa. Por isso, os seus pais confiavam-lhe até algumas tarefas mais exigentes, que pediam esforço físico e a levavam a afastar-se da casa e a ir até às margens do lago.

Um belo dia, como ela costumava já fazer, pôs à cabeça a cesta grande com toda a roupa para lavar e encaminhou-se para o lago. Pelo caminho, passou perto de uma papaieira, que tinha um grande fruto, uma enorme papaia, que caíria com certeza à terra, já madura, dentro de pouco tempo… A menina enroscou-se no tronco e subiu até estar em condições de agarrar a papaia e a colher. Agarrou-a, dizendo: «Dentro de pouco comerei esta bela papaia, depois de ter acabado de lavar a roupa!»

De facto, imaginou-se a comer, regalada, a papaia madura. Mas, alguns momentos depois, pensou na mãe que tinha deixado em casa e que encontraria no seu regresso, e disse para consigo: «Vou fazer-lhe uma bela surpresa. Guardo a papaia e vou oferecê-la à minha mãe. Certamente, vai ficar muito contente.»

Foi assim que, acabada a lavagem da roupa, Senan tomou o caminho do regresso a casa. Chegada à sua cabana, correu ao encontro da mãe e abraçou-a: «Olha que surpresa trouxe para ti, uma bela papaia!»

A mãe ficou emocionada com a generosidade da filha e agradeceu. A papaia era, de facto, muito bela! A mulher tê-la-ia comido imediatamente, mas veio-lhe à mente o pensamento do filho Awanú (que quer dizer «obrigado»), que tinha saído muito cedo para a pesca. Por isso, conteve-se e guardou a papaia para oferecer ao filho quando ele regressasse do trabalho.

«Obrigado, mãe», disse Awanú ao receber a prenda quando chegou. Esteve tentado a levar a papaia à boca, mas de repente lembrou-se do pai, que tinha saído naquele dia de piroga e fora a akadja, o lugar onde preparavam as armadilhas para apanhar os peixes. Pensou no trabalho duro do pai, na humidade do lago, sob o calor do sol intenso. «Esperarei que o meu pai regresse», disse de si para si, «e então oferecer-lhe-ei a papaia.»

Era noite quando o pai chegou a casa, já cansado. Awanú foi-lhe ao encontro e, depois de lhe ter dado as boas-vindas, ofereceu-lhe a papaia que tinha guardado para ele. O homem sentou-se na esteira e agradeceu. Olhou a papaia: era bela, grande, redonda, madura, com certeza gostosa! Mas conteve-se de a comer, porque de imediato lhe veio à mente a filha mais pequena. Chamou-a e disse-lhe: «Senan, minha pequenina, quero fazer-te uma surpresa esta noite: toma, esta papaia é para ti!»

A menina sorriu e não disse nada. Pegou numa faca e cortou a papaia em quatro partes. Todos juntos, a mãe, o pai, Awanú e Senan deliciaram-se a comer a papaia. É por isso que, comida com os outros, a papaia é mil vezes mais gostosa."


(http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EEZZAkupVEGdkwGyls)

O espelho

21.09.07 | ssacramento
"Quando nos dirigimos a ele para a higiene diária e lhe pedimos a assinatura da boa imagem, o espelho diz-nos a verdade sem rodeios, sem atenuantes ou eufemismo. Rosto marcado, olhos papudos, cabelos despenteados, talvez a falta da dentadura esquecida no copo.
O espelho, sem diplomacias ou farisaísmos, diz a verdade.
Depois a rua, o trânsito, o autocarro, a labuta dos dias, o contacto com os outros, os negócios, a vida rotineira. Compromissos, pontualidades, um "puzzle" de pequenas coisas. A inexorabilidade do relógio conduzir-nos-á à noite. Na cama, antes de adormecer, outra vez o espelho. Mas agora um outro, o da consciência: essa menina travessa e espontânea, esse santuário íntimo que todos transportamos e que tem a fatalidade de nos aplaudir ou censurar. A consciência tem memória de elefante e precisão de abelha. Também ela, sem rodeios, nos diz a verdade dos nossos gestos e intenções.
Em cada noite, em face desse espelho, imitamos a velha madrasta da história da Branca de Neve e dos sete anões: "Espelho meu, quem é a melhor pessoa do mundo?" Receio que ele nos diga a verdade: que existem infinitas Brancas de Neve, inumeráveis pessoas, que nos batem aos pontos em matéria de bondade, rectidão, simplicidade e doação.
E seria pena se nos irritássemos em face dessa evidência e nos negássemos a aceitar a verdade das nossas imperfeições. Seríamos então a velha madrasta que ao ver a sua pretensão negada pelo espelho o partiu com revolta. E o que aconteceu? Constatou que o seu defeito se tinha multiplicado. Espalhados pelo chão viu tantos defeitos como pedaços de espelho partido.
Amigos da manhã, vivamos o dia de hoje verticais, de rosto aberto, profundos e livres em nós, porque, mais logo, à noite, o espelho dir-nos-á da verdade, seja ela qual for."

(MANUEL, Henrique - Mas há sinais.... Prior Velho: Paulinas, 2004)

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