Chegámos à Semana Santa de 2010. Chegámos aonde partimos, pois aqui se revela e celebra tudo quanto temos para nós e para os outros, em Cristo oferecido e oferecidos. Peçamos a Deus, peçamos-Lhe do mais fundo e veemente de nós próprios, que esta Semana nos esclareça o espírito e determine a vontade, para que a vida seja em tudo e sempre como Ele quiser, segundo Cristo. Uma Semana para celebrar e recomeçar, com tudo quanto ouvirmos na Palavra, com tudo o que revivermos nos ritos. Uma Semana “santa”, como só o será se for de Deus, inteiramente sua, mesmo que acontecendo em nós.
Sabemos pela experiência própria e da inteira história humana, que nos é possível desculpar este ou aquele, mais espontânea ou esforçadamente. Sabemos como foi penosa a marcha da justiça, até alcançarmos níveis razoáveis de punição e regeneração, respeitando direitos humanos finalmente codificados, ainda que nem sempre cumpridos. Sabemos que algum estoicismo nos levaria ao ponto de não resistir a agressões e injúrias... Mas o que ouvimos de Jesus inocente e crucificado é infinitamente maior e universalmente redentor. Clamar “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”, é transpor da sua inocência essencial para a nossa culpa real o que é apenas seu e do Pai, ou seja, a caridade, a vida a jorrar da nascente não poluída, no frescor original do Espírito regenerador. E o que Cristo pede e oferece na Cruz é também o que precisamente manifesta em si mesmo: toma-nos para si e recupera-nos nesse amor, que é a própria vida trinitária, desapossada em cada um para o único bem do outro - e agora nosso bem, que decerto não merecíamos.
Foi numa atmosfera simples e familiar, própria das aldeias da Galileia, que o Menino Jesus cresceu, amadureceu e descobriu a vida. O coro dos meninos na escola, a voz das raparigas na fonte de água, o monótono golpear do martelo na carpintaria, o grito repetido das mães chamando para casa as suas filhas entretidas na rua, foram o clima que Jesus respirou e assimilou durante 30 anos.
E quando um dia o seu Pai do Céu lhe pediu que deixasse tudo e fosse pregar a mensagem de salvação aos seus irmãos humanos, nunca se arrependeu dos anos passados na sua aldeia, na sua casa e com a sua gente; dos seus anos ocultos e silenciosos; do seu trabalho na oficina e dos encontros com amigos.
Nunca considerou esse tempo como "perdido", pois viveu cada dia e cada época como a melhor que tinha. E assim o ensinou também, quando se tornou adulto: «Não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã já terá as suas preocupações. Basta a cada dia o seu problema» (Mt 6,34).
(Artigo de Ariel Álvarez Valdés, in Revista Bíblica - Jan/Fev. 2010)
A Igreja não se justifica pela excelência, mas sim pela penitência dos seus membros, ainda que nalguns deles rebrilhe excelentemente a acção da graça divina, à qual e pela qual constantemente se convertem. O nosso momento de maior autenticidade será mesmo o acto penitencial com que começamos cada Eucaristia, reconhecendo-nos absolutamente “mendigos do amor de Deus”.
Lembremo-nos da parábola do fariseu e do publicano, em que só foi justificado o que se reconheceu pecador (cf. Lc 18, 14). Lembremo-nos de que só assim nos encontra Jesus, que não veio chamar os justos, mas os pecadores” (cf. Mt 9, 13).
Tudo o que tivermos a corrigir, será por nós e para o bem dos outros, decerto; mas só o será perfeitamente quando responder, do fundo dum coração agradecido, à misericordiosa justiça que nos recuperou em Cristo.
D. Manuel Clemente (Homilia de 4ª feira de Cinzas)
Para os fariseus e escribas, gente piedosa e culta do mundo judaico, o comportamento de Jesus era um escândalo insuportável: Ele não respeitava as "sagradas leis"; Ele misturava-se e comia com reconhecidos pecadores... Enfim, já não tinham dúvidas: Jesus andava a desorientar o povo e a estragar a religião...
Jesus responde-lhes e justifica-se com a surpreendente parábola que hoje escutamos e que é uma maravilhosa encenação do mistério de Deus e da sua Bondade absoluta e libertadora. Uma parábola que denuncia todo um tipo de religião que desfigura o verdadeiro rosto de Deus. Deus não é, como pensava o filho mais velho, uma Lei e um Juiz, uma fria máquina registadora das obrigações que cumprimos ou não e que paga com cabritos a nossa fidelidade.
Deus é absolutamente outro. Não tem coração de juiz, mas de Pai. Não criou o homem para ter súbditos às suas ordens, mas Filhos a quem amar e Se dar sem medida. Não quer submissão, mas comunhão. Por isso, fala de banquete, festa, vida, encontro, alegria... e não de leis ou de ordens, de direitos ou de deveres, de prémios ou de castigos.
Imagem disponível em http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/9/9c/Rembrandt_Harmensz._van_Rijn_125.jpg/467px-Rembrandt_Harmensz._van_Rijn_125.jpg)
Desde a infância, aos sábados, o Menino Jesus acudia à sinagoga de Nazaré acompanhado pelos seus pais. As orações da assembleia, duravam quase toda a manhã. Com o andar dos anos, foi aprendendo as orações e os ritos, até se lhe tornarem familiares.
Além da frequência da sinagoga, o sábado devia ser venerado com a prática do descanso total. Assim desde sexta-feira à tarde, o Menino Jesus deve ter ajudado a sua mãe Maria nos preparativos da celebração: trazer dupla reserva de água, limpar a humilde casa, colocar no seu lugar as ferramentas de trabalho, enquanto Maria preparava as duas refeições, uma para sexta à noite e outra para Sábado ao meio-dia.
Minutos antes de começar o sábado, isto é, na sexta ao cair da tarde, o pequeno Jesus, de pé diante da mesa, assistia ao rito da luz, tradicionalmente reservado às mulheres da casa: Maria pronunciava uma bênção e acendia uma lâmpada, que ficava acesa até à manhã seguinte, quando se levantavam para ir à sinagoga. Ao meio-dia, quando regressavam, as famílias da aldeia reuniam-se em grupos para partilhar um almoço comum.
(Artigo de Ariel Álvarez Valdés, in Revista Bíblica - Jan/Fev. 2010)
"(Com)Paixão" é a proposta feita a toda a Diocese do Porto, no âmbito da Missão 2010, para o mês de Março. Durante este mês, a Liturgia da Igreja vive, em cheio, a maior parte do tempo quaresmal. Este ano, a Quaresma perspectiva-se em clara dimensão penitencial, pondo em destaque a compaixão de Deus pelo homem e deste para com o seu semelhante, que se manifesta, em concreto, no apelo à conversão, na prática da misericórdia e no acolhimento e oferta do perdão.
As comunidades paroquiais são convidadas a caminhar em direcção à Páscoa nesta perspectiva da Compaixão. A dinâmica quaresmal será fundamentada a partir da Palavra de Deus que é proclamada em cada domingo.
Talvez seja este o dom tipicamente bíblico que a fé cristã oferece à Europa na idade da globalização e dos seus pluralismos de mundos religiosos e culturais.
Vivamos intensamente este tempo de crescimento e conversão. Acolhamos as propostas que nos são feitas e percorramos com Paixão os caminhos quaresmais para chegarmos à Páscoa renovados e mais identificados com Cristo.
Outra das coisas que Jesus aprendeu durante a sua adolescência em Nazaré foi a rezar, pois qualquer criança israelita, a partir dos 13 anos, adquiria o hábito de orar três vezes por dia: de manhã, ao meio-dia e à noite. Para isso, era ensinado a cobrir a cabeça e os ombros, com um manto especial, chamado "talit", com umas franjas chamadas "zitzit" dependuradas nas suas quatro pontas.
Havia duas orações que um judeu, a partir da sua adolescência, devia recitar cada dia. A primeira chamava-se "Shemá" (em hebraico, "Escuta"), porque começava assim: «Escuta, Israel: Yahvé é o nosso único Deus.» Mais do que uma oração, era uma profissão de fé, tirada do Deuteronómio (6,4-7). E a segunda era a chamada "Shemoné Esre" (em hebraico, "Dezoito") porque consistia em dezoito orações (três louvores, doze petições e três agradecimentos a Deus).
Nestas orações, repetidas ao longo do dia, o menino Jesus foi aprendendo a chamar a Deus "Pai Nosso". E foram estas que criaram um clima espiritual em que Ele cresceu, e que marcaram profundamente a sua psicologia religiosa de criança.
(Artigo de Ariel Álvarez Valdés, in Revista Bíblica - Jan/Fev. 2010)