A fé do cego revela-se na sua atitude: dá o salto...
No Evangelho de Domingo passado, vemos Jesus a exercer o seu sacerdócio. Jesus está a caminho. Segue-o grande multidão. Há um grito. Há uma vibração do meio do barulho da multidão. A multidão cala os gritos, sente-se incomodada pelos gritos inconvenientes. Mas Jesus está atento aos que do meio da multidão vibram com a sua passagem. Hoje também há quem pretenda calar os gritos de socorro com arrevesadas teorias. Atenção! Os métodos são subtis. Ai dos cristãos quando, na sua participação política e económica, esquecem os problemas profundos e se ficam pela rama superficial de questões secundárias relativas a direitos individuais em detrimento da luta por direitos sociais!
Jesus comove-se. Pára. Chama. É benevolente e dialoga. Mostra a sua atenção de pastor, a sua qualidade de escuta dos apelos, para fazer também ele apelos à multidão, para que não abafe os gritos dos necessitados.
É a pedagogia de Jesus em acção. Razão tem o cego para lhe chamar Mestre, depois de, na aflição do pedido de ajuda, lhe ter chamado Filho de David, com referência ao Antigo Testamento. Mas perante a novidade do seu comportamento, da sua atenção, chama-lhe Mestre. Tem razão. A fé do cego revela-se nos seus actos, nas suas atitudes: deixa a capa, dá o salto, vai ter com Jesus.
Jesus não é um mestre paternalista, não recorre a métodos assistencialistas. Requer que cada pessoa tome a iniciativa e faça o seu caminho pessoal. Jesus quer de tal modo deixar a iniciativa, a demonstração da sua real verdade, sem complexos de perguntar ao cego o que ele quer. Era evidente! Jesus quer ouvir a voz dos pobres. Importava tomar consciência de que Deus nos liberta, nos consola, nos faz abrir os olhos para ver os outros com novos olhos, nos abre a mente. Há um caminho a fazer para a liberdade, mas a fazer com consciência, não por mero impulso repentino sem consequências.
Vai – a tua fé te salvou! É assim Jesus. Não quer pasmados à sua beira. Não lhe abriu os olhos para ele ficar a olhar para Ele, mas para o salvo também ver agora as necessidades dos outros e fazer-se discípulo, seguir o seu caminho. O caminho da fé vem da consciência, apesar dos obstáculos.
(Homilia de D. Carlos Azevedo nos 150 anos dos Vicentinos em Portugal)