O rei desta história é Deus
Conta o sábio que um homem tinha três amigos. Dizendo isto, acrescenta logo que os tinha classificados: o amigo n.º 1, o amigo n.º 2 e o amigo n.º 3. E explica logo a seguir o que pode parecer óbvio: o amigo n.º 1 era o amigo inseparável daquele homem: andavam sempre juntos; o amigo n. º 2 aparecia lá por casa do nosso homem de vez em quando, bebiam uns copos, punham a conversa em dia; o amigo n.º 3 muito raramente aparecia, talvez uma ou duas vezes por ano, e o encontro era ainda assim mais devido ao acaso do que à amizade. Diz a história que um dia o nosso homem foi surpreendido por uma intimação do Rei que o instava a comparecer no Palácio Real.
O nosso homem sentiu-se tomado por uma grande angústia e preocupação. Na verdade, nunca tinha entrado num Palácio, não sabia mesmo o que era um Palácio, não imaginava como se devia comportar dentro de um Palácio.
É nestas alturas de aflição que nos lembramos dos amigos. Foi assim que o nosso homem foi ter com o seu amigo n.º 1 e disse-lhe: «Amigo, nós andamos sempre juntos, preciso da tua ajuda, não me digas que não». «Fala, homem», disse o amigo n.º 1. Então, o nosso homem contou ao seu melhor amigo que tinha de comparecer no Palácio do Rei, que nunca tinha entrado num Palácio, que não sabia como proceder, que se sentia muito preocupado. E adiantou: «Peço-te que me acompanhes nesta viagem». A este pedido, o amigo n. 1 respondeu: «Amigo, de facto somos amigos inseparáveis. Podes contar sempre comigo, mas nesta viagem não posso acompanhar-te».
Então, o nosso homem foi ter com o seu amigo n.º 2, aquele que encontrava de vez em quando para beber uns copos e pôr a conversa em dia. Expôs-lhe o mesmo problema. E o amigo n.º 2 respondeu assim: «Sim, senhor, estou disposto a acompanhar-te, mas com uma condição». «Qual é então a condição?», perguntou com ânsia e curiosidade o nosso homem. «Vou contigo, mas só até à porta do Palácio», disse o amigo n. º 2. E acrescentou: «Da porta para dentro terás de te desenrascar sozinho». Ouvindo isto, o nosso homem insistiu: «Até à porta, também eu consigo ir; o meu problema é dentro do Palácio, pois não percebo nada de Palácios». Rematou o amigo n.º 2: «É como te digo; posso ir contigo só até à porta».
Restava ao nosso homem o amigo n.º 3, aquele que via por mero acaso apenas uma ou duas vezes no ano. Foi ter com ele e expôs-lhe igualmente o problema, para ele difícil, de ter de comparecer no Palácio do Rei. E pediu-lhe igualmente, ainda que sem grande esperança de ser atendido, que o acompanhasse naquela viagem. Ouvindo atentamente, o amigo n.º 3 respondeu assim: «É claro que te acompanho. Confesso-te mesmo que até ficaria muito triste se viesse a saber dessa tua viagem difícil e tu não me tivesses dito nada!».
A história termina assim, aparentemente no ar, à boa maneira rabínica. Mas para que tu, meu irmão (...), possas entender melhor, passo a descodificar o essencial: A) o Rei desta história é Deus; B) o nosso homem, o que foi intimado a apresentar-se no Palácio do Rei, é cada um de nós: posso ser eu; podes ser tu; C) o amigo n.º 1 é a nossa própria vida, a minha própria vida; eu e a minha vida, os meus afazeres, os meus negócios, os meus projectos, andamos sempre juntos: somos amigos inseparáveis; mas, quando eu morrer, de facto, nada disso me pode acompanhar!; D) o amigo n.º 2 são os nossos próprios amigos: podem acompanhar-nos só até à porta… do cemitério!; E) o amigo n.º 3, aquele que raramente vemos, é o bem que fazemos ao longo da nossa vida; é o amor que pomos naquilo que humildemente fazemos.
Esta saborosa história rabínica é-nos contada pelo Bispo D. António Couto no seu Blogue "Mesa de palavras", desafiando-nos a trazer para 1º lugar na lista o amigo que está em 3º lugar. Afinal é o único que nos acompanhará sempre.