Uma história de Natal verdadeira
Irena Sendler fica para a História como a mãe das crianças do holocausto. Graças à sua valentia, à sua persistência e à sua bondade, esta enfermeira nascida na Polónia salvou a vida a duas mil e quinhentas crianças judias, cuja existência terminaria nos campos de extermínio nazi. Mas poucos conhecem a sua história.
As façanhas de Irena começaram a ser conhecidas em 1999. Uns alunos de um instituto do Kansas, nos EUA, fizeram um trabalho de final curso sobre os heróis do Holocausto. Entre estes constava Sendler. Investigaram e, surpresa: Irena ainda vivia. Residia num lar de idosos na cidade de Varsóvia. Souberam também que, no quarto dela, nunca faltavam flores nem cartas e cartões de agradecimento, procedentes de todo o mundo.
Quando a Alemanha invadiu a Polónia em 1939, Irena tinha 29 anos. Era enfermeira e trabalhava nos Serviços de Bem-Estar Social, em Varsóvia. Três anos depois, os nazis criaram nesta cidade um gueto onde colocaram os judeus. Irena horrorizada pelas condições de perseguição, assédio e maus tratos que se viviam ali, uniu-se ao Conselho para Ajuda aos Judeus. Sem demora, contactou as famílias e ofereceu-se para retirar as crianças do gueto. Eram momentos dramáticos os que ela vivia. Devia convencer os pais a confiarem-lhe os filhos que, de outro modo, iriam ser exterminados. Às vezes, quando Irena regressava a casa de uma família para a fazer mudar de ideias, deparava-se com a tragédia: já não estava lá ninguém; haviam sido levados para o campo de concentração.
Irena usava ambulâncias para retirar as crianças, fazendo-as passar por vítimas de febre tifóide. E arranjou outras estratégias para as esconder e salvar: sacos de lixo, caixas de ferramentas, sacos de batatas, caixões... Contava com a ajuda de várias pessoas dos Serviços de Bem-Estar Social. Estas elaboraram centenas de documentos com assinaturas falsas, atribuindo uma nova identidade a cada criança. Depois, confiavam-nas a famílias polacas que viviam fora do gueto. Anotava os dados verdadeiros e os dados falsos em pedaços de papel e escondia-os em latas e frascos de conserva que enterrava debaixo de uma macieira, num jardim. Um dia, a Gestapo prendeu-a, torturou-a brutalmente, tendo-lhe fracturado as pernas.
No colchão de palha da sua cela, Irena encontrou uma estampa desbotada de Jesus Cristo. Conservou-a, encontrando nela a certeza do conforto divino, até 1979, quando a ofereceu ao Papa João Paulo II, seu conterrâneo. Foi condenada à morte, mas não a executaram, porque, a caminho do lugar da execução, conseguiu fugir.
Quando acabou a II Guerra Mundial, desenterrou as latas e os frascos de conserva e serviu-se das anotações para encontrar as duas mil e quinhentas crianças que havia distribuído por famílias adoptivas na Polónia. Esforçou-se para que as crianças reencontrassem as suas famílias dispersas pela Europa. A maioria, porém, tinha perdido quase todos os entes queridos nos campos de concentração nazis.
Vários anos depois do fim da guerra, a sua história apareceu num jornal. Então começaram a escrever-lhe e a telefonar-lhe dizendo: «Eu sou uma daquelas crianças. Devo-lhe a vida.» O pai de Irena era médico e deixou-lhe um ensinamento:«Ajuda sempre quem precisar de ajuda, sem ter em conta a nacionalidade ou a religião». Irena Sendler passou os últimos anos de vida numa cadeira de rodas, por causa das torturas sofridas. Ela ensinava: «Não deitem à terra apenas sementes de cereais. Há que lançar sementes de bondade!»
( Revista Audácia - Dez.2009)