"Onde está a tua irmã?"
A Irmã Eugenia Bonetti, missionária da Consolata e a quem foi atribuído, em 2007, o prémio "Mulher de Coragem" pelo seu trabalho a favor do resgate de mulheres introduzidas ilegalmente em Itália e obrigadas a prostituir-se, escreve na Revista Audácia deste mês de Maio, um excelente artigo sobre o tráfico de mulheres e crianças e do qual passamos a citar alguns excertos:
"Era uma sexta-feira fria e chuvosa. Deixava o Centro Caritas de Turim, no Norte de Itália, onde trabalhava havia uns meses, depois de regressar de África. Dirigia-me para a Igreja, para participar na Missa. Uma mulher africana pediu-me licença para entrar. Levava na mão uma receita médica. Pareceu-me tímida e nervosa. Pelo estilo de roupa, concluí que era uma das tantas mulheres que, de dia ou de noite, vendiam o corpo numa rua ou estrada.
Parei. Li a carta e fiz algumas perguntas. As respostas da mulher eram monossílabas. Estava doente e devia submeter-se a uma operação cirúrgica. Mas como não tinha documentos – era ilegal – não podia dirigir-se a um hospital público e, por isso, foi encaminhada para o nosso centro.
Maria tinha pouco mais de 30 anos e era mãe de três crianças. Deixou a Nigéria e veio para Itália. Queria trabalhar, para ajudar a sua família, mas acabou numa rede de prostituição, vítima do tráfico de seres humanos. Não falava italiano. Conversámos
Fiquei confusa. Não sabia que dizer e, muito menos, que fazer. Perturbava-me, também, estar a ficar atrasada para a Missa. Pedi-lhe que voltasse no dia seguinte. Mas ela quis acompanhar-me à igreja. Pelo caminho, notei como incomodava às pessoas que uma freira caminhasse ao lado de uma prostituta.
Na igreja, Maria sentou-se no último banco. Ouvia-a soluçar. Tentei concentrar-me, mas não conseguia. Dei comigo a meditar na Parábola do Fariseu e do Publicano (Lc 18,
[Durante 24 anos, na Nigéria,] trabalhei em conjunto com as mulheres e os jovens para melhorar as condições de vida (...). Ao voltar a Itália parecia que todos os meus projectos e sonhos, as minhas seguranças se desmoronavam. Rezava: «Senhor, que queres que eu faça? Senhor, mostra-me o caminho!» Agora Maria punha-me à prova. Seria a resposta de Deus?
Dentro de mim ressoava a pergunta: «Eugénia, onde está a tua irmã?» (
Maria curou-se. E não só fisicamente. Com coragem e determinação, deixou a prostituição, aprendeu italiano, tirou um curso profissional, arranjou emprego e tem uma vida nova.
Segundo cálculos, 500 000 mulheres foram introduzidas na Europa por organizações criminosas, que as obrigam a prostituir-se. Vêm dos países do Leste da Europa e dos países pobres tanto de África, como da América e da Ásia. Mais de 200 000 são menores, com idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos.
Como freira, percebi bem que esta realidade é um desafio para a sociedade e para a Igreja e, em particular, para os Institutos religiosos, pois somos chamados a ser defensores dos direitos dos pobres e dos sem voz, dos vulneráveis e indefesos.
O símbolo da escravatura é a corrente. Esta é constituída por anéis interligados. Para mim, estes anéis têm nome: as vítimas, normalmente sem instrução, pobres e sem emprego; os membros das máfias que enganam, compram e vendem as pessoas; os clientes da prostituição; a sociedade, que perdeu a noção da dignidade da vida e das pessoas, e fica indiferente; os governos e as autoridades, cúmplices, por causa da corrupção e das conveniências económicas; os cristãos que, devido aos complexos, acusam e condenam as vítimas em vez de atacar as causas da prostituição e punir os criminosos.
Fala-se da prostituição como um problema de mulheres. Mas é também um problema dos homens, dos clientes, e da sociedade em geral, que se habituou a servir-se da Natureza, dos bens materiais e das pessoas segundo o princípio do usar e deitar fora. A indústria do sexo é um aspecto desta atitude perante a vida.(...)" (http://www.audacia.org/)