Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Blogue da Paróquia do Santíssimo Sacramento

Blogue da Paróquia do Santíssimo Sacramento

Homilia 18º domingo do tempo comum

02.08.20 | ssacramento

pão-partido.jpg

 

A notícia da morte de João Baptista, não encerra o coração de Jesus na contemplação da própria dor ou no medo da perseguição. Leva-o ao silêncio do deserto, que Jesus costuma procurar para estar em intimidade contemplativa, na presença do Pai. Parecer-nos ia que este devesse ser um momento a sós, íntimo, mas, ao chegar, Jesus encontra a multidão que o procura e percebemos que o silêncio abre o coração de Jesus às necessidades daquelas pessoas. Não se trata, pois, de um momento de refúgio, de alheamento, de apatia. Estar no silêncio, afina o coração de Jesus para ver cada um pessoalmente, curar quem necessita, acolher a todos. Fica claro que nenhuma necessidade, nenhuma dor, nenhuma perda pode separar-nos do amor de Deus manifestado em Cristo, como bem nos lembra S. Paulo.

Os discípulos aprenderam a olhar como Jesus e dão-se conta da necessidade de alimentar aquelas pessoas. Só que ainda pensam soluções ao modo do mundo: comprar pão, ir cada um cuidar de si.

Então, Jesus desafia-os: “dai-lhes vós de comer”. Mas a interpelação de Jesus parece não fazer mais que sublinhar a insuficiência dos discípulos: “não temos….”, não temos… não temos senão cinco pães e dois peixes… afinal temos, mas, se calhar, nem chega para nós.

É então que Jesus os faz descobrir que importa muito mais o pouco que têm que o muito que lhes falta. Importa muito mais o pouco de que podemos dispor que o muito que não temos. Aos olhos do mundo, nunca teremos o suficiente. Nunca teremos o suficiente, se não soubermos dispor do pouco que temos e somos. 

É este quase nada que sai das mãos dos discípulos para as mãos de Jesus, que Ele abençoa e parte, de novo para as mãos dos discípulos e destas para as mãos da multidão. Todos comem e ficam saciados e sobra em abundância. Ninguém fica de fora, mereça muito ou pouco ou nada.

É inevitável olhar esta passagem evangélica, que revivemos em cada eucaristia, à luz do momento que vivemos, tempo de perturbação e de perda. Enquanto Igreja, há muito que sentimos que somos cada vez menos os fiéis, que são menos os sacerdotes e menor é a relevância social da Igreja. Somos uma multidão em perda. Há muito procuramos um modo novo de falar de Deus, reencontrar a alegria de ser igreja e afinal, por estes tempos, acabámos por ficar longos dias sem celebrar a eucaristia; retomámo-la de modo muito condicionado; ficámos sem as actividades que animavam e alimentavam a fé, mesmo que já nos parecessem insatisfatórias, e não sabemos prever como as retomar ou reinventar. Vivemos, há muito, com a percepção da necessidade: necessidade de sacerdotes, necessidade de leigos comprometidos, necessidade de meios para a caridade, necessidade de nos sentirmos relevantes na vida social. E, nestes dias, mesmo o pouco que ainda pensávamos ter parece posto em risco.

Felizmente, também sabemos viver com gratidão o que ainda somos e a celebração da fé que podemos. Sim, sentimo-nos muito gratos por tantos gestos de fé. Mas corremos sempre o risco de sentir muito mais o que perdemos, o que nos é tirado, que aquilo que somos e temos. E somos sempre tentados pelas soluções do mundo: comprar, profissionalizar, cuidar de nós, cuidar cada um de si, agitarmo-nos ao modo do mundo para darmos prova de vida.

Com Jesus aprendemos outro modo: sair para o silêncio dos que procuram Deus. Dar conta, cada vez mais, de quanto precisamos d’Ele. E, em contrapartida, crescer na consciência do que temos e somos, para o colocarmos nas mãos de Cristo e nos deixarmos repartir.

Este tempo de pandemia tem sido rico em reflexão sobre o modo como somos cristãos, como somos igreja, como somos paróquias. Tempo muito rico em vida eclesial fora de portas, tem sido também ocasião de reinventar o modo de viver a fé, nem sempre com igual acerto, mas decerto que sempre com louvável coragem. Por vezes, tem transparecido a velha esperança revolucionária, de que o novo (utópico) nasça do desastre, a ponto de se hesitar no regresso à vida possível. Também vão aparecendo reflexões que de novo só têm o papel que nos gastam. Muitos se queixam das estruturas, das paróquias que em tudo dependem do pároco, do direito canónico que não muda… do que não temos, sei lá.

Não vale vitimizarmo-nos. Nunca foram as estruturas ou a necessidade de competências profissionais a comandar o impulso do Espírito. Muitas foram as iniciativas laicais que, ao longo da história, renovaram a vida religiosa e sacerdotal. E assim continua a ser, graças a Deus, sempre que não ficamos a contemplar o que não há. Claro que ninguém pode tudo. Claro que são necessárias as competências profissionais. Um sacerdote também não pode tudo, e é a ilusão de querer fazer tudo que nos desgasta e destrói. Mas não poder tudo não é o mesmo que não poder nada.

Repousaremos com a consciência serena, ao confiar nas mãos de Jesus o pouco que podemos e somos. Por isso, a evidência da perda e da imensidão da procura, deve levar a uma maior interioridade, para uma melhor caridade. Sim, não é a eficácia profissional que faz melhor caridade. É uma maior interioridade que leva a uma melhor caridade. É tempo de maior interioridade e de silêncio. É hora de deixar que o Senhor faça das nossas feridas ocasião de compaixão pelos irmãos. É urgente confiar com responsabilidade o pouco que somos nas mãos do Senhor e deixar que Ele nos reparta no pão que sacia a multidão, a multidão dos que procuram, mereçam muito pouco ou nada. Deixar que nos reparta num pão que não se compra, que só pode ser dado.

Se houver cristãos que procurem, que vivam um pouco mais a intimidade com Deus, que sintam compaixão dos irmãos e que se entreguem a Cristo com confiança, haverá tudo: haverá pão e servidores que o distribuam na mesa, nesta mesa da eucaristia, que o Senhor sempre põe para nós aqui e em todo o lugar da vida humana.